Seguindo os passos de Orhan Pamuk em Istambul

Um roteiro pela moderna Istambul inspirado no relato do escritor, prêmio Nobel de Literatura MARIO TOLEDO, do Globo

Escritor ganho o prêmio de Literatura de Nobel

Escritor ganho o prêmio de Literatura de Nobel

ISTAMBUL – Existe um tipo de turista que não sai de férias sem ter passado horas a fio lendo tudo o que encontra sobre o destino para onde vai. Se este viajante estiver indo para Istambul não deve deixar de ler o livro homônimo do escritor turco Orhan Pamuk, prêmio Nobel de Literatura em 2006. Não que o texto traga roteiros e dicas turísticas imperdíveis ou aqueles lugares que apenas os nascidos e criados conhecem. Nas páginas de “Istambul”, você percebe que a cidade mais famosa da Turquia às vezes aparece colorida e em outras em preto e branco, dividida entre a riqueza europeia e as tradições asiáticas. Neste passeio, percebe-se que a importância do Bósforo é muito maior do que simplesmente fazer com que Istambul seja a única cidade do mundo situada em dois continentes. E também as mudanças em Nisantasi, o bairro onde Pamuk nasceu e viveu a maior parte da sua infância. Se no século passado era o lugar preferido da aristocracia turca, nos últimos anos tornou-se a região comercial mais badalada da cidade, com lojas de grife e uma agitada vida noturna.

Nisantasi: dos soldados otomanos à elegância cosmopolitaQuase toda grande cidade tem um lugar que outrora foi apenas residencial, ou com pouco comércio, e onde, com o passar dos anos, as casas e os edifícios pequenos foram sendo ocupados por lojas de grifes nacionais ou internacionais, a maioria famosas. Com certeza, os cariocas pensaram na Rua Garcia d’Ávila, em Ipanema, e os paulistanos na Rua Oscar Freire, em Cerqueira César. Em Istambul, este lugar está em Nisantasi (pronuncia-se nixântazi).Saindo do Bósforo, o bairro é o primeiro da parte alta da cidade. Foi criado no século XIX e significa alvo de pedra, porque era o lugar onde os soldados otomanos exercitavam sua pontaria. Dizem que alguns resquícios desta época ainda podem ser vistos em muros do bairro.
Orhan Pamuk conta em seu livro “Istambul” que, quando criança, via da janela do seu quarto os navios que atravessavam o Bósforo. À época — aqui falamos dos anos 1950 — Nisantasi era um bairro residencial daqueles em que o comerciante abria conta num caderninho para cada um de seus clientes, moradores da região.

Embora Pamuk mencione a todo momento nuances de preto e branco que envolvem Istambul, Nisantasi é um bairro bastante colorido, onde se ouvem gritos de crianças pelas ruas, vendedores de flores nas calçadas. Há um encanto no olhar de cada um.Continua sendo um bairro residencial, mas suas casas de comerciantes gregos, pouco a pouco, foram substituídas por estabelecimentos que estampam nomes conhecidos em todo o mundo: Gap, Montblanc, Prada, Tiffany & Co. Esta mistura acaba dando às suas ruas um ar elegante e sofisticado ao mesmo tempo que intimista. Vale muito a pena sentar em um dos muitos bares à beira da calçada de Nisantasi, pedir uma Efes (a principal cerveja deles) ou um café turco, admirar o vaivém das pessoas carregadas de bolsas de compras e lembrar de “Istambul”: será que os moradores estão mais europeus do que asiáticos?Mesmo que o visitante tenha estudado muito sobre Istambul e, como sugerido, lido o livro de Pamuk, decorar os nomes na língua turca é outra história. No grande quadrilátero que forma Nisantasi, bastam três nomes de ruas como referência: Abdi Ipekçi, Tesvikiye e Vali Konagi. Paralelas, as duas primeiras são as principais do bairro. Vali Konagi é uma grande avenida, que corta o final das duas ruas anteriores. Esta via liga Nisantasi a Taksin, a região central de Istambul. Dá para perceber que você está nela pelo maior número de carros, pedestres e pelas lojas, que são bem mais populares.

Entretanto, se Nisantasi é um quadrilátero, qual é a quarta rua, que seria paralela à Halaskargazi? Não há. O outro lado do bairro margeia o Bósforo. E tem uma teia de ruas e ruelas que levam a Besiktas, o bairro na parte baixa, à beira do rio. Portanto, assim que começar a descer qualquer ladeira saiba que está saindo de Nisantasi.

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Chegando de qualquer direção, não perca tempo, faça como os turcos: compre um simits — espécie de pão em forma de rosca com gergelim — numa das muitas carrocinhas que há por ali e saia pelas ruas.

Abdi Ipekçi foi um jornalista e ativista dos direitos humanos que morreu assassinado em 1979, aos 49 anos. Entre as homenagens que lhe são feitas na cidade, há um busto na praça que leva seu nome. Em frente, há também uma excelente brasserie. Se o tempo estiver bom, aproveite o café do lado de fora. Se estiver frio, a parte interna também é bem atraente.Nesta rua e nas imediações o comércio se sofistica. As vitrines exibem roupas de marca e joias idem: filiais de relojoarias como Rolex e da Jaeger-LeCoultre, com seus relógios dupla face, misturam-se às entradas de prédios residenciais de três, quatro e cinco andares com suas fachadas brancas ou cinzas. Ande um pouco e você pode dar de cara com um sujeito pregando cartazes de um show de rock ao lado da loja da Montblanc. Esse é o clima de Nisantasi. E o charme que a cada passo vai envolvendo o turista. Mas, vale lembrar: para quem pensa em compras, além das sedutoras vitrines de Nisantasi, há o inevitável Grande Bazar, que fica na parte antiga da cidade, do outro lado do Chifre de Ouro.

Tesvikiye, rua onde morou Pamuk, tem uma mesquita do mesmo nome. Os leitores de “Istambul” vão notar que essa foi a primeira mesquita em que Pamuk entrou. Cercada por um muro com grades, a mesquita tem acesso só pelos portões de ferro laterais. No interior, árvores, jardins e bancos circundam a construção, onde idosos aproveitam a luz do sol e se refugiam dos barulhos incessantes das buzinas de BMWs, Mercedes e Audis dos frequentadores do bairro. A mesquita está longe de ser uma das mais bonitas das 1.500 que existem aproximadamente na cidade turca, mas vale o registro de contemplação para ver que um ponto histórico vai resistindo ao crescimento de shoppings verticais que está chegando a Nisantasi.

À medida em que se distancia dessas duas ruas, Nisantasi vai ficando mais residencial. É nessa área, por exemplo, que o motor dos carros é substituído pelos gritos de crianças no recreio de uma das escolas do bairro.
Duas coisas chamam a atenção do visitante, seja em Nisantasi ou em qualquer outro lugar de Istambul. Quase toda a praça tem um, ou mesmo vários, bustos de personalidades turcas. Em Nisantasi Macka Park, o visitante encontra uma praça com o busto de comandantes otomanos. Esta é uma das praças próximas à avenida Vali Konagi. Nela o trânsito de veículos e de pedestres é muito mais intenso, pois a via serve de ligação entre Nisantasi e Taksim.

Outra curiosidade fica por conta dos cães e gatos que circulam livremente pela cidade, dividindo a paisagem das praças com estátuas e bustos. Em Nisantasi, há inclusive uma praça apenas para gatos, com placas indicando que é proibida a entrada de cachorros.

Passeio colorido num cenário em preto e brancoA descrição de uma cidade em preto e branco é sempre muito forte nas páginas de “Istambul”. Ela fica bastante evidente quando se está no Bósforo, o rio que divide a cidade entre as partes europeia e asiática. Como o sol nasce no lado asiático e se põe no europeu, este último, para quem navega pelo Bósforo, fica iluminado a maior parte do dia, enquanto que a visão da margem oriental é sempre comprometida pelo sol forte, dando paisagem uma tonalidade opaca. Cinza.Por questões ambientais, atualmente o Bósforo recebe apenas 150 navios de carga por vez. Entretanto, é impossível não resgatar os pensamentos que Pamuk tinha da janela do seu quarto quando criança ao olhar qualquer um destes enormes navios que cruzam as águas no Bósforo a qualquer momento.

Há vários, digamos assim, points para apreciar o famoso estreito da Turquia. O brunch nas luxuosas dependências do Çiragan Palace Kempinski é um deles. O cinco estrelas da rede alemã associado à The Leading Hotels of the World é uma das opções. Outra é circular pelas ruas do bairro de Ortakoy. Além de ser uma experiência sair do circuito turístico de Istambul, Ortakoy tem um píer bem simpático com inúmeros bares e barraquinhas que vendem desde o artesanato autêntico até aquele pasteurizado que o visitante encontra em todos os quiosques e camelôs da cidade.
O melhor é chegar em Ortakoy no fim do dia para aproveitar o pôr do sol apreciando as águas do Bósforo. Ortakoy fica praticamente aos pés de Bogaziçi, a primeira das duas pontes que ligam a parte ocidental de Istambul ao seu lado oriental. Assim, ao escurecer, há a oportunidade de ver a ponte toda iluminada em contraste com o negro do céu, alternando tonalidades entre azul, vermelho, e branco.

Esta é a ponte mais antiga que cruza o Bósforo. Data de 513 antes de Cristo e foi construída a mando do rei persa Darius. O formato atual de ponte suspensa foi dado apenas na década de 1970, para as comemorações dos 50 anos da fundação da República da Turquia.

Para finalizar a noite, uma ida ao Reina, um complexo de restaurante e boate, onde come-se o melhor da gastronomia turca.

Tem um ambiente interno, com uma pista de dança no centro do restaurante, e uma área ao ar livre, que é a melhor e fica aos pés da ponte toda colorida. Vale esperar por um lugar, mesmo no inverno, quando uma cobertura transparente protege do frio. Esta área é reservada aos fumantes. Sim, em Istambul pode-se fumar em restaurantes e em táxis também. Eu não fumo, mas o motorista do táxi em que andei me perguntou se poderia fumar, abrindo o vidro do carro em movimento a uma temperatura externa de quatro graus.

As águas do Bósforo também são ocupadas pelas lanchas: particulares, que fazem um intenso transporte de passageiros entre os dois lados da cidade e para turismo. As lanchas de passageiros são pequenas e rápidas enquanto as de turismo trafegam devagar pelas duas margens do estreito.

Embarcando nesta última, o turista tem a chance de conhecer outra nuance de Istambul. E coincidência ou não, é neste passeio que o turista pode perceber o huzun, que o prêmio Nobel chama de melancolia da cidade: a Istambul colorida pela alegria, mas, ao mesmo tempo, em preto e branco. A cidade que se moderniza no lado europeu e se esforça para manter as tradições, pelo menos no lado asiático.

O lado europeu é dominado pelas yalis, que em turco significachalés. São casas brancas, ou de cor pastel, com telhados vermelhos que, ao longo dos últimos dois séculos, servem de veraneio até mesmo para quem reside na cidade. Na verdade, estes apartamentos em prédios pequenos são passados de geração a geração e hoje valem cerca de 3 milhões. Turcos riquíssimos e estrangeiros como o investidor de origem russa e dono do Chelsea F. C., Roman Abramovich, têm seus yalis, com suas lanchas luxuosas estacionadas nas águas do Bósforo.

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